sábado, 15 de março de 2008

O Último Fandango

(crônica de Alma Welt)


Creio que não há nada mais belo na experiência humana em sociedade, do que as festas. É quando a ingenuidade aflora, e o homem se revela pueril, retomando a sua pureza perdida. Mas é também quando sob o influxo do vinho, o sangue pode clamar e ferver.

O último fandango que ocorreu em nossa estância, no galpão, não faz muito tempo, deixou-me uma impressão perturbadora, e fechou as minhas lembranças de todos os bailes de galpão desde a minha infância, decidindo encerrá-las para sempre.

Nessa ocasião eu me vesti de “chinoca”, e Rôdo com suas bombachas bordadas, faixa na cintura, punhal de prata, botas, esporas, todo o aparato de “gaucho macho”, e nos encaminhamos de mãos dadas para o galpão, ao anoitecer, onde já ouvíamos a gaita, a viola, e o bater das palmas e botas, e o tilintar dos esporões.

Assim que entramos, houve um súbito silêncio reverente, e logo saudações, que nos emocionaram. Nós, os patrõezinhos, éramos bem-quistos e respeitados. Benza Deus!

Dancei muito, primeiramente com Rôdo, e logo comecei a ser tirada pelos jovens peões e até por alguns mais velhos. Eu estava feliz, e sorria, sorria o tempo todo, dançando com alma, e creio, com graça.

Mas, ai de nós! A bebida corria, o vinho, e até aguardente, que misturados produzem uma fórmula desastrada. Logo começaram os empurrões, a disputa entre eles pelas danças com a patroínha. Era hora dos patrões se retirarem, eu senti, mas... era tarde: fui por minha vez empurrada por uma chinoca, desequilibrei-me e caí.

Fiquei aturdida por um momento, fez-se silêncio e logo me ajudaram a levantar. Ma a noite estava estragada, eu percebi, pois dois peões, que não identifiquei direito, saíram seguidos por outros, de maneira solene, e eu pressenti que iriam duelar lá fora, por alguma guria. Eu quis impedir, precipitei-me para fora do galpão, mas fui praticamente barrada pelas mulheres. Lá fora o alarido dos machos já denunciava a pelea. Ouviu-se um grito longo e... silêncio. Eu gritei: “Rôdo! Rôdo!” Meu coração gelou-se. Onde estava o meu irmão? Quem peleara? Ai! Eu não agüentaria! Por quê não me deixam passar?

Então ouvi a voz de meu irmão, vindo a mim:

— Alma, acalma-te, acabou. Apenas um foi ferido à faca, a honra deles está lavada. Não te manifestes, a prenda disputada era tu. Mas creio que simbolicamente, pois o vencedor não ousará reclamar-te. Conheço-os, foi puramente simbólico, embora eles pudessem se matar verdadeiramente. Vamos voltar para casa. Tira a tua fantasia de china, que estavas tentadora demais, sem o saber. Vamos arrematar a noite com um chimarrão, só nos dois, minha querida irmã. O Pampa já cobrou a sua taça de sangue por esta noite...

Nenhum comentário: