sábado, 15 de março de 2008

Eu e os mágicos

(crônica de Alma Welt)


Desde guria sou fascinada pela arte dos mágicos prestidigitadores. Desde o dia em que presenciei o show de um deles numa festa de fim de ano da escola primária em Novo Hamburgo, em que me emocionei com a pomba tirada de uma cartola. Daí por diante, emocionalmente pelo menos, eu veria todos chapéus como esconderijos potenciais de pombas, patos e coelhos, e portanto, o verdadeiro refúgio da ternura dos seus portadores.
As imagens do mundo, que forjamos na infância, nos acompanharão pra sempre intactas, no terreno afetivo. Mas eu sei que isso é verdade somente para aqueles que se mantêm fiéis à sua infância e seus ocultos pactos com o mundo, com a vida.
Havia na nossa estância um velho peão, o mais antigo, que era o preferido de meu pai, que o considerava um venerável exemplo de sabedoria popular. Meu pai, que além de extremamente culto, erudito, tinha também, ele próprio enorme sabedoria, a ponto de reconhecê-la num simples peão semi-analfabeto, por seu apreço pelo velho boiadeiro me fez também perceber e aproximar-me daquele homem de barbas e cabelos brancos bem menos tratados.
Um dia, no inverno, guria ainda, fui visitá-lo sozinha, e encontrei-o na varanda de seu chalé de madeira, onde aposentado, ficava horas, mirando o horizonte e fumando o seu cachimbo. Levei-lhe um poema meu, como único presente que me ocorreu oferecer-lhe como prova de meu afeto e respeito.
O velho peão recebeu a folha de papel, e depois de retirar uma espécie de touca de lã que eu tinha na cabeça, colocada por minha mãe, passou a mão rapidamente no alto e em seguida abrindo a folha em suas mãos grossas e calosas, me fez ver uma borboleta pousada sobre meus versos, em que ele mal deitara os olhos. Então, ele pegou a borboleta, que me pareceu trêmula, e com uma delicadeza insuspeitada, pela ponta das asas a colocou no meu ombro, olhando-me profundamente, com seus olhos gastos azulados, com um sorriso que percebi sob os imensos bigodes brancos caídos. Aquilo me pareceu mágico, e ao mesmo tempo uma espécie de recado cifrado, vago, que eu não saberia decifrar naquele momento.
Alguns dias depois aquele homem estaria morto, e eu recebi a notícia com extrema emoção. Fui vê-lo em seu caixão, cercado de peões e algumas mulheres, peonas velhas e jovens, além da nossa chorosa Matilde, na pequena sala de sua querência, como ele dizia.
E ali, cercada de lágrimas e alguns sorrisos, depositei, com toda a minha inocência, sobre o seu peito, acima de suas mãos cruzadas, um novo poeminha meu, para que ele o transformasse numa borboleta que o acompanharia em sua nova jornada no pampa longínquo do horizonte que o aguardava.

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