quarta-feira, 27 de maio de 2020

A PSICANÁLISE DAS HORAS (Crônica de Alma Welt)


Quando guria, eu era um tanto precoce, e o Vati (papai) perguntou-me o que eu queria ser quando crescesse. Como ele era médico, cirurgião, um cientista (e eu não gostava de carnificina), querendo agradá-lo, de pronto respondi:
-"Uma cientista!"
Meu pai sorriu e então disse:
-"Se queres ser cientista, comece assim desde já: toma um objeto para estudo, qualquer que seja a tua escolha e dedica-te a observá-lo sob todos os ângulos possíveis, seus desdobramentos e funções, ordem, espécie, família, etç.
Aprofunda-te nele o quanto puderes e depois venha me mostrar suas conclusões."
Suponho que meu pai, pelos meus gostos mais evidentes, imaginou que eu escolheria uma flor para meus estudos... Passados alguns dias ele me interpelou:
- "Então, Alma, o que escolheste estudar e quais as tuas conclusões?"
- "Estudei a psicologia das Horas, Vati" - respondi- "Observei-as longamente. Elas são tímidas filhas do Tempo, passam ligeiras se tu não as observa, mas se o fazes pelo relógio, que é para elas um incômodo microscópio, elas se põe envergonhadas, hesitantes, morosas, e disfarçam, custam muito a passar. São dúbias, também... e traiçoeiras, trazem surpresas se te esqueces um pouco delas. Além disso guardam ressentimento e acho que podem ser mortais quando se sentem desperdiçadas..."
Meu pai, percebendo a minha marotice, piscou um olho, sorriu, e disse:
- "Filha, não, não és uma cientista, nem sequer uma psicóloga. ÉS POETA. Vai, vai brincar, que é o que os poetas fazem a sério... e com muito proveito para todos nós."
(Alma Welt)