domingo, 24 de maio de 2015

Um segredo de meu pai (crônica de Alma Welt)

"Após a morte de meu Vati, fugi da estância, exilei-me muito longe, na cidade de São Paulo por quatro longos anos. No retorno passei a investigar no casarão, mais precisamente na biblioteca e escritório, as pegadas de meu pai, sua vida secreta de que eu suspeitava, seus segredos... Descobri na sua correspondência uma carta dele a um amigo, que revelava que ele tinha pelo menos uma outra filha de uma relação antiga, a qual ele nunca mencionou e que foi criada longe de nós pela mãe. Depois do choque tratei de por-me em campo para encontrar essa minha irmã. A primeira pessoa que interroguei foi, naturalmente, a nossa fiel Matilde, uruguaia de origem e nossa cozinheira, antiga na família e que fora minha babá. Matilde então disse: "Alma, esperei pacientemente este dia, porque prometi ao teu pai manter segredo durante sua vida, e que só revelaria a ti se fosse interpelada a esse respeito. Tua irmã é filha de uma cigana com quem teu pai viveu uma tumultuada paixão quando jovem. Não estranhavas que teu pai deixasse que os ciganos acampassem reiteradas vezes aqui na estância, para indignação dos estancieiros vizinhos, sempre ali junto do bosque? Tu os visitava desde guria, provavelmente conheceste tua irmã sem saber..." Arrepiei-me toda... Rafisa! Minha estranha atração por aquela bela e enigmática cigana! Nossa mútua fascinação, nossa inefável química... nosso amor! Só podia ser ela! Entretanto, nômade que era, minha irmã estava sumida no mundo." (Alma Welt)

domingo, 17 de maio de 2015

Códigos (crônica de Alma Welt)

"Um peão gaúcho, desconhecido, aproximou-se de mim a cavalo na coxilha, diante da nossa porteira, tirou o chapéu e disse querendo ser galante: "Buenas, prenda, quem é o peão macho que dá ordens por aqui? Já vi beleza, mas não vi uma bombacha até agora..." Olhei-o nos olhos e respondi: "Buenas, senhor, mas aqui os machos são servidores. Dê a volta por trás e fale com o meu capataz se quiseres emprego. Ele "le" reenviará a mim depois de uma primeira avaliação de macho para macho". O gaúcho sorriu, colocou o chapéu, o tocou, afastou-se e fez a volta em direção ao curral onde estaria o nosso Galdério. De longe observei-lhes a postura tensa e seu nada sutil código corporal de "machos". Dei um suspiro e continuei a colher flores." (Alma Welt)