segunda-feira, 6 de julho de 2020

O MESTRE DE VENTO (mini conto de Alma Welt)

Fomos levados até o cego Zacarias que o povo dizia que era um "Mestre de Vento"... quer dizer: sabia tudo a respeito. Curiosa, depois de saudá-lo perguntei ao velho cego o que ele podia dizer do vento que estava soprando naquele momento. O velho fez um longo silêncio que repercutiu em volta, se assim posso dizer. Então falou:
-"O vento... o vento... Só há duas coisas: quando o vento sopra para cá todo mundo aplaude. Quando sopra para lá, todo mundo joga pedra."

O velho disse isso e se calou. Não conseguimos tirar nada mais da sua sabedoria. Mas... talvez não precisasse.
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06/07/2020

sábado, 13 de junho de 2020

TRATADO DO DESENCANTO CUIDADOSO

Não fui uma criança triste. Nem mesmo quando adolescente a tristeza jamais me dominou. Ao contrário, fui uma criança encantada e vim me "desencantando" devagar até hoje. Faço questão de fazê-lo muito lentamente, muitas vezes tendo de lançar mão do humor para isso. Sei que há quem diga que o humor é o supremo realismo, o contrário daquela ingenuidade que se depreende do encantamento. Mas não creio nisso... o humor transfigura a realidade, muda o seu signo para nos fazer sorrir, e mesmo gargalhar. É, pois, o encantamento dos desencantados...
(Alma Welt)

quarta-feira, 27 de maio de 2020

A PSICANÁLISE DAS HORAS (Crônica de Alma Welt)


Quando guria, eu era um tanto precoce, e o Vati (papai) perguntou-me o que eu queria ser quando crescesse. Como ele era médico, cirurgião, um cientista (e eu não gostava de carnificina), querendo agradá-lo, de pronto respondi:
-"Uma cientista!"
Meu pai sorriu e então disse:
-"Se queres ser cientista, comece assim desde já: toma um objeto para estudo, qualquer que seja a tua escolha e dedica-te a observá-lo sob todos os ângulos possíveis, seus desdobramentos e funções, ordem, espécie, família, etç.
Aprofunda-te nele o quanto puderes e depois venha me mostrar suas conclusões."
Suponho que meu pai, pelos meus gostos mais evidentes, imaginou que eu escolheria uma flor para meus estudos... Passados alguns dias ele me interpelou:
- "Então, Alma, o que escolheste estudar e quais as tuas conclusões?"
- "Estudei a psicologia das Horas, Vati" - respondi- "Observei-as longamente. Elas são tímidas filhas do Tempo, passam ligeiras se tu não as observa, mas se o fazes pelo relógio, que é para elas um incômodo microscópio, elas se põe envergonhadas, hesitantes, morosas, e disfarçam, custam muito a passar. São dúbias, também... e traiçoeiras, trazem surpresas se te esqueces um pouco delas. Além disso guardam ressentimento e acho que podem ser mortais quando se sentem desperdiçadas..."
Meu pai, percebendo a minha marotice, piscou um olho, sorriu, e disse:
- "Filha, não, não és uma cientista, nem sequer uma psicóloga. ÉS POETA. Vai, vai brincar, que é o que os poetas fazem a sério... e com muito proveito para todos nós."
(Alma Welt)