sábado, 15 de março de 2008

A Navalha e o Abismo

(crônica de Alma Welt)


Meu pai possuía uma navalha de barbear que me fascinava, em minha infância. Era um objeto magnífico, com cabo de marfim, dentro de um belo estojo, com a marca alemã em letras douradas: Abgrund & Sohn. Ele não a usava desde a sua juventude, quando deixara a barba crescer e eu só o conheci barbado, patriarcal, a princípio fulvo e grisalho, depois todo branco. No entanto ele guardava a sua navalha, que lhe era cara por alguma razão. Digo isso, por que, estranhamente, eu nunca lhe perguntei como a obtivera, se ganhara de alguém, se a comprara numa loja, ou se fora de seu pai, coisas assim. A razão da minha discrição, acredito, é que o objeto parecia secreto, a mim, que cheguei perto da obsessão, por um período, naquela época. Foi logo que descobri o estojo na gaveta de sua escrivaninha, na biblioteca. Eu o abri, e deslumbrada, num nicho em depressão sobre o veludo, dormia o objeto que me... “vertiginou”. Eu desnudei a lâmina, lentamente, com o dedo indicador toquei-lhe o fio, e imediatamente a minha carne se abriu quase até o osso, me pareceu. Dei um grito e nem sei como guardei o objeto agressivo, no estojo, empurrando a gaveta com a outra mão, para sair correndo buscar gaze e esparadrapo, para tratar-me, pois sabia que fizera algo errado e pretendia esconder o fruto da minha bisbilhotice. Eu consegui facilmente, de minha mãe e de Matilde, sob interrogatório, atribuindo o corte a uma inocente faca de cozinha. Meu pai percebeu a verdade, eu acho, pois a navalha dever ter ficado manchada do meu sangue. Mas ele nada comentou, para não abrir uma nova área de atrito com minha mãe. E escondeu a lâmina noutro lugar, eu depreendi. Com um meio sorriso, levantou o dedo, disfarçadamente, para mim, a um tempo com admoestação e cumplicidade, assim me pareceu.

Daí por diante fiquei praticamente assombrada pela navalha e seu perigo. Eu tomara a consciência traumática de sua ameaça, de seu... abismo. Sim, pois por alguma ilação poética, cuja propensão me era inata, eu associei a navalha a um abismo. Quando dali a não muito tempo eu descobri na estante da biblioteca, o livro intitulado “O Fio da Navalha", de W. Somerset Maugham, eu o devorei, para encontrar a resposta do enigma daquela lâmina. E, acreditem, apesar da ingenuidade do meu propósito infantil, eu a encontrei. Há mesmo uma associação entre o fio da navalha e o abismo, pois a metáfora de andar no fio de uma navalha incorre no perigo de abismar-se, talvez dividido ao meio, numa queda sem retorno. Na minha mente, porém, a própria lâmina era o precipício.

Entretanto aquele era um objeto material que continuava me atraindo, me chamando, me obcecando. Eu temia levantar à noite, sonâmbula ou não, ir direto ao seu novo esconderijo, que de alguma forma eu sabia, e precipitar-me sobre ele. O que era estranho é que eu não me via degolada, mas sentando-me nua na lâmina aberta, sobre o fio, e cortando a minha pequena vulva, num talho sangrento, que não se fecharia nunca. Quando afinal surgiu o sangue da minha menarca, por uma fração de segundo, inesquecível e terrificante, eu pensei ter feito aquilo: sentara-me na lâmina sagrada e proibida!

Eu agora estava no abismo de mim mesma, do meu desejo infinito, do misterioso sangue das minhas entranhas de mulher!

3 comentários:

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