segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Uma alegoria da vida (mini-crônica de Alma Welt)

"Quando eu era muito jovem, numa brincadeira de salão, instada a fazer com palavras uma alegoria da vida, só me veio à mente um barco furado, fazendo água, em alto mar, que estamos buscando ansiosamente esvaziar com nossas mãos, um balde ou um chapéu, sempre com a praia à vista, mas muito longe. Minha alegoria causou imediatamente protestos dos amigos, taxada de intolerável pessimismo. Agora, passados muitos anos, me parece que minha alegoria não representa necessariamente um derrotismo, mas nossa invencível esperança..." (Alma Welt)

sábado, 19 de outubro de 2013

Uma Teoria Biológica da Guerra (crônica de Alma Welt)

 
"Lembro-me que meu pai, médico, cientista, costumava comparar a humanidade, ou a sociedade humana e suas guerras, com as placas de cultivo de bactérias em laboratório e o comportamento delas ao produzir antibióticos uma contra a outra, quando duas culturas de espécies diferentes eram colocadas confluentes na mesma placa. Tratava-se, dizia ele, de disputa por "espaço vital". Ele queria dizer que a guerra era um processo natural de equilíbrio demográfico entre as espécies na natureza. Me lembro também que tais exemplos me impressionavam e convenciam, mas me deixavam perturbada. Esses dados reais, científicos, reduziam nossa humanidade à nossa natureza biológica e faltava, por exemplo, o mistério sublime de um Bach, de um Beethoven, de um Mozart, de um Chopin, ou do violino virtuose de um Yehudi Menouhim ou um Sacha Heifetz, do piano de um Arthur Rubinstein, que ele punha no toca-discos. Demorei para harmonizar dentro de mim estes dois conceitos, o da animalidade e o da espiritualidade, que na verdade, juntos constituem o mistério da natureza humana. Mas, com o tempo, percebi que a arte nasce justamente dessa aceitação, de uma imensa e universal aceitação, e raramente de uma indignação moral..." (Alma Welt)

terça-feira, 16 de julho de 2013

O Mistério das partidas (crônica relâmpago de Alma Welt)

"Quando o trenzinho ainda ligava as cidades do meu pampa, nas pequenas estações de espera e chegada a vida parecia fazer mais sentido do que agora. Eu não questionava senão o mistério e a pequena dor das partidas..." (Alma Welt)

Sobre os que sonham com o Céu ( mini-crônica de Alma Welt)

"Meu pai, o "Vati", como eu o chamava, era ateu e não deixou minha mãe, a "Açoriana", batizar-me. Criou-me como uma pequena pagã, cercada das estórias de deuses e mitos, com a intenção de moldar-me como uma obra de arte clássica. Entretanto, como era um erudito e fundamentamente um romântico alemão, disse-me um dia: "Alma, não desprezes os que sonham com o Céu. Afinal esse sonho criou grandes obras que podemos reverenciar, e que foram feitas por artistas profundamente devotos. Quem somos nós para menosprezá-los? A ingenuidade, em sua pureza, cria mundos sublimes que o simples medo não logra construir. Quisera eu ter a fé de tão grandes artistas... " (Alma Welt)

O Gaúcho Fiel ( mini-crônica de Alma Welt)

O gaúcho montado se aproximou de mim na coxilha e disse: "Patroinha, tem um marrão solto nestes pastos e o Patrão me pediu que vigiasse vosmecê." - "Que dizes, Ubaldo?"- exclamei. "O patrão morreu faz um ano! " Ele retrucou: " Sim, patroa, mas as ordens dele eram tão boas que continuam..." Não pude deixar de sorrir. (Alma Welt)

quinta-feira, 11 de julho de 2013

As Doze Badaladas da Meia- Noite (mini-crônica de Alma Welt)

“Nada mais sinistro do que as doze badaladas da meia-noite no antigo relógio de pêndulo da sala do velho casarão de nossa estância. Guria, eu ficava acordada aguardando-as na esperança de rever meus fantasmas prediletos: Bento Gonçalves, Netto, Anita e o italiano... E eles me apareciam às vezes, acreditem ou não. Mas também surgiam alguns intrusos que presumo saíam da minha própria sombra. Se esse era um preço difícil de pagar, tudo isso me dava a medida da misteriosa alma humana, que seria a matéria viva da minha poesia...” (Alma Welt)

Diante de minha mãe morta (micro-crônica de Alma Welt)

"Quando guria, diante do corpo de minha mãe morta, observando os parentes dei-me conta do absurdo de se falar com um cadáver ou mesmo de pranteá-lo. Percebi que minha mãe, a Açoriana, já não estava ali... e isto era o mais terrível, porque nós nos desperdiçáramos..." (Alma Welt)

quarta-feira, 22 de maio de 2013

A Recusa ( mini-crônica de Alma Welt)

"Uma vez meus pais receberam para o almoço um político aqui na estância. Eu era adolescente e recusei-me a sair do quarto e participar daquela hospitalidade. Naturalmente fui punida por minha mãe pela desfeita, tanto mais que ela tinha feito diante da visita loas ao meu talento (que na verdade a desagradava) e beleza. Mas me lembro como me senti bem, com orgulho de mim e sobretudo muito íntegra, no castigo..." (Alma Welt)

sábado, 23 de março de 2013

Um Covil de Bandidos (mini-crônica de Alma Welt)


Um ano antes do Vati* morrer, uma manhã, no casarão, me aproximando da biblioteca de meu pai, parei atrás da porta e fiquei escutando o diálogo dele com meu irmão Rodo. Ele dizia: "Rudolf, meu filho, você me diz que esse senador que te telefona a toda hora tu conheceste numa mesa de poquer? Pára com isso, meu filho! Tu precisas parar de andar com esse sujeito. O Senado da República é um covil de bandidos. Tu precisas parar de andar em más companhias!" Rodo ouviu calado e então disse: "Sim, Vati. Não me custa. Depois, ele não blefa, o que é normal, mas sim rouba descaradamente no jogo. Os companheiros brincam que é preciso esconder as carteiras quando ele chega... " (Alma Welt)

domingo, 10 de março de 2013

“Discute-se a crise energética no mundo todo, e cogita-se em fontes alternativas de energia. Entretanto, como Dante Alighieri enunciou que “o Amor move o sol e as outras estrelas”, tomo ao pé da letra que a questão energética poderia ser resolvida pelo Amor, qualquer que seja a maneira de entendermos sua forma de atuação.” (entrevista com Alma Welt)
“Quando guria eu vivia em lágrimas pela beleza de quase tudo. Uma irmã me chamava de “manteiga derretida”, a outra me abraçava ternamente, condoída. Nenhuma das duas podia realmente me compreender. Minha mãe, a bela Açoriana, abanava a cabeça. Meu pai, o Vati, me observava calado, eu não precisava me preocupar, ele me conhecia...” (entrevista com Alma Welt)

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

As bombachas bordadas do Tempo (mini-crônica de Alma Welt)

"Um velho gaúcho a cavalo, me encontrou vagando na coxilha a contar sílabas. Estacando sua montada, tirou o chapéu e disse: "Buenas, prenda! Pelo jeito sabes contar, talvez até escrever... deves ser filha de gente fidalga... Estou procurando a Sta Gertrudes, antiga Farroupilha. Pelo porte... deves ser a patroinha, pois não?" Olhei os seus velhos olhos azuis, o rosto enrugado, o bigodão branco caído, suas bombachas bordadas, e... vi que era o Tempo! Não tive palavras e o segui com os olhos, enquanto sorrindo ele se dirigia à minha casa..." (Alma Welt)