quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Reflexões de Fim de Ano (crônica de Alma Welt)

Nas últimas páginas do diálogo A República, de Platão, este descreve no chamado "Mito de Er" e do "fuso de Ananke", a escolha que a alma de Odisseu morto (o inventor do "Cavalo de Tróia") faz de uma nova vida, agora de um homem modesto, comum (talvez até mesmo medíocre), já que tendo sofrido muito na sua encarnação aventurosa célebre, optou pelo contrário para sua nova encarnação e saiu dali com seu sorriso astuto de sempre... Decididamente Platão tinha humor (embora não escrachado como o de seu inimigo Aristófanes) mas tão sutil que passa despercebido até para os seus exegetas. Quanto a mim, gostaria, no jogo das almas, de renascer poeta, assim como os samurais que tivessem cumprido o Bushido (código de honra dos samurais) tinham a esperança de renascer novamente samurais após a morte em batalha, duelo, ou pelo sepuku (harakiri).
Por quê, Alma? (pode alguém perguntar). Os poetas não sofrem demais, e entre os artistas não são, estatísticamente, os que mais se suicidam? Eu respondo: Sim, sofremos muito, mas também temos grandes êxtases, e descortinamos o real e seu sentido "autêntico e absoluto" (como escreveu Novalis) como ninguém...
"Não gostarias de renascer -insistem- como um simples dona de casa, atarefada com o asseio do lar, as roupas de cama e as de seu marido e filhos, e ser feliz armando e desarmando a árvore de Natal com um sorriso terno, pensando na alegria das crianças quando estraçalhavam os papéis coloridos que embrulhavam os presentes?"
Bem... tentadores, não insistam nessas comparações, porque entre o heróico e o comezinho meu coração balança: há poesia também nas coisas mais comuns, mesmo banais, e essa é talvez a compensação do mundo. E depois... a alegria, a verdadeira alegria, sempre esteve ao alcance de todos, ainda que fugaz, e (como escreveu Nietszche) "pede eternidade, a profunda eternidade"...
Alma Welt)
28/12/2022