quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Silêncios com Galdério (de Alma Welt)

"Meu fiel Galdério todos os dias se aproxima da varanda onde estou sempre escrevendo sentada na cadeira de balanço de minha avó Frida, e me pergunta se deve preparar a charrete para o passeio pela estância, como outrora, desde guria. Agora faço isso raramente, pois não quero mais chorar perto deste amigo fiel, e a visão do cenário tão querido das sendas da minha infância com Rodo, nossas correrias e pequenas conspirações... estão por aí em toda parte. Eu respondo: "Galdo, solta a Miranda no pasto, a pobre... E tu, senta-te aquí no primeiro degrau e conta-me de tua infância com Matilde". Ele sorri tristemente, cofia os bigodes e diz: "Ah! Princesa... deixa quieta a infância, a tua e a nossa... elas agora moram nos sonhos da noite... Para quê remexer nesse baú, assim, de dia?" E ficamos os dois em silêncio, muito tempo, ouvindo os pássaros, os latidos dos cães e às vezes uma gargalhada ao longe seguida de uma bravata de peão. E vejo que está tudo certo, o Tempo é impassível e... passa." (Alma Welt)

DESTINO (crônica de Alma Welt)

Matilde, minha fiel bá, já há duas décadas nossa cozinheira, é uma mistura de conselheira, bobo e corifeu desta nossa pequena tragédia familiar. Morreram já a Açoriana (minha Mutti), o Vati (meu pai), Solange, minha irmã mais velha e, Alberto, seu marido bêbado, meu querido e fiel cunhado. Rodo (Rudolf) meu amado irmão jogador de poquer anda pelos cassinos do mundo e quasi não pára por aqui. Na solidão desta estância e seu vinhedo decadente, só amainada pela presença de Matilde e do fiel Galdério, seu irmão e nosso "factotum", eu me consumo em meus pensamentos, crônicas e sonetos e me esforço para não enlouquecer, já que converso com espectros e vago nas noites como uma sonâmbula pelo jardim e pela coxilha em torno do casarão. Somente a Internet prorroga minha lucidez paradoxalmente dando-me a ilusão da comunicação, de ser compreendida e até mesmo de ser amada. Escolhi o meu destino? Tudo é encadeamento de circunstâncias, não cuspirei no prato do meu talento mesmo que ele me leve à solidão e à morte. Tudo é Destino...

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A Árvore dos Cachimbos (de Alma Welt)

‎"Se não faço uma reflexão profunda e não a lanço no papel, se não produzo diariamente um pensamento que me pareça válido e geral, ou um poema, um soneto, o dia foi perdido... Matilde, minha ex babá, que foi quem me sobrou de ser humano presente e constante ao meu lado, acha inútil e lamenta eu não ter filhos. Eu lhe digo: "Mas, mulher, estou parindo dia e noite!" E ela responde: "Não blasfemes, Alma! Se teu ventre secar sem ter posto no mundo uma criança sequer, serás como uma macieira que não deu frutos, boa para o machado, para fazer cachimbos. O fumo no ar terá mais serventia." Eu estremeço, e continuo a escrever..." ( Alma Welt)

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O Concerto do rei Mino (de Alma Welt)

"Uma noite, meses depois que o Vati, meu pai, morreu, soprou o Minuano tão fortemente que batia todas as janelas do casarão e zunia pelas frestas das portas fechadas. Ele sempre me assusta, o rei Mino, como eu o chamo... Então, subitamente ouvi o piano do Vati tocando de maneira fantasmagórica, como um... espectro de música, se posso dizer assim, ou como um órgão sinistro... Corri para a biblioteca, era ele! O Vati estaria lá sentado ao seu piano, eu tinha certeza, eu o veria! Mas ao entrar no aposento forrado de livros vi que o piano vibrava e ressoava surdamente, sarcástico, impiedoso! O Minuano usurpara o piano de meu pai! E ria, ria de mim o tirano, de minha dor, de minha saudade!..."

domingo, 20 de novembro de 2011

Minha amiga Anita (de Alma Welt)

Quando chego em casa depois de alguma viagem mais longa, sinto que o Tempo, aqui, na estância, passa de maneira muito lenta, ou simplesmente é imóvel e contém todas as épocas do nosso Pampa, imutável em sua essência. Por isso convivo com os farroupilhas, na verdade seus espectros saudosos de sua glória passada, de sua saga imortal... É claro que já me tacharam de delirante, ou sonâmbula, por me verem vagar à noite no casarão, no jardim, na coxilha. Mas eu lhes garanto que Anita Garibaldi é minha amiga, aparece para mim e me fala de seu amor, de suas aventuras e de sua dor de ter morrido tão longe daqui ou de sua Laguna, conquanto na terra do seu amado Giuseppe, o herói que a tornou também uma heroína de dois mundos... (Alma Welt)

sábado, 19 de novembro de 2011

O Retorno via Livramento (de Alma Welt)

"Uma vez, de volta à estância chegando de viagem, nossa Matilde veio me receber em lágrimas, mas que não eram de alegria. "Minha guria" - disse ela- nosso Rodo foi preso em Monte Carlo! Estava roubando no jogo, eles disseram!" Imediatamente eu soube que era calúnia de perdedores, pois meu irmão era um profissional competente, não precisava roubar. Mas a angústia me subiu ao peito. Eu estava disposta a ir para lá, tão longe... pagar fiança, sei lá! Mas enquanto pensava no que fazer, tocou o telefone. Era Rodo, dizendo: "Alma, estou em Livramento, roubaram meu passaporte em Punta del Este, quando eu pretendia partir para Monte Carlo. Irei para casa, guria, vou dar um tempo." Meu coração encheu-se de alegria, e pela primeira vez agradeci a um ladrão..." (Alma Welt)

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Nota
É curiosa esta estória... sutilmente ela indica que o Rodo realmente roubou, não foi roubado, e estava em " livramento" e não Santana do Livramento. Provavelmente pagou fiança e ainda estava na Europa. E o ladrão que a Alma agradeceu é o próprio Rodo por estar voltando para os seus braços...