quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Os segredos da biblioteca de meu pai

"Ainda quando criança, eu costumava entrar na biblioteca de meu pai, escondida, quando ele não estava em casa, para olhar as lombadas dos livros e descobrir alguma coisa espantosa, uma espécie de segredo camuflado. Bem... quase tudo o era. Eu retirava aleatoriamente ou pelo titulo sugestivo, somente um deles da estante, de cada vez, e o folheava a esmo lendo algum parágrafo. Era como olhar por uma fresta, o mundo se abria. Eu iria ler tudo, eu me prometia. E eu iria escrever também, porque não poderia haver nada mais secreto. E os segredos, me parecia, eram feitos para serem descobertos por pessoas como eu, que prometia passá-los adiante sem traí-los..." (Alma Welt)

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Pensando a vida (Crônica de Alma Welt)

"Penso muito na vida e no mundo de uma maneira geral, não pessoal, isto é, com um distanciamento senão crítico, de espectadora. Me parece sempre que estou do lado de fora, e que a minha vida mesma pertence a uma outra esfera, mais monótona, bucólica e de uma solidão romântica às vezes dolorosa. Não sei porque sou assim, pois, afinal, tendo duas irmã mais pragmáticas e um irmão ousado e aventureiro, não deveria me sentir assim, fora do mundo verdadeiro, como se vivesse num sonho plausível, ligeiramente melancólico. Rodo, meu irmão, muitas vezes me arrastou para aventuras, na nossa infância, em que eu não me entregava totalmente, talvez por causa da minha admiração por ele, por seu entusiasmo e simplicidade. Minha natureza de poeta e escritora sempre foi contemplativa, e me impede de me integrar com o ambiente humano ao meu redor. Serei uma romântica como George Sand como escritora? Estarei vendo este Pampa e estes peões que me circundam, "os gáltchos" e gaudérios, de maneira idealista, ou mesmo folclórica? Não sei... O mundo vai julgar. Sei que sou sincera e derramo as palavras como elas me vêm, embora cultivadas e não rudes como esses simpáticos machões que me circundam, com suas falas altas e sonoras, com sua bombachas, bigodes e chimarrões. E até com seus sinistros punhais adormecidos nas faixas que envolvem suas cinturas..." (Alma Welt)

Minha vida dentro da Alma (crônica de Alma Welt)

"Quando guria eu pensava no Mundo como algo que só existia muito longe de casa e do qual eu ficava sabendo pelos livros, isto é, pelos romances. E o mundo era muito grande, variado, e abarcava todas as épocas ao mesmo tempo. Isso, como sensação, me acompanhou a vida toda, pois me sinto sempre preenchida de todos os séculos, simultaneamente, desde a era dos egípcios, gregos e romanos. Báh! Dos Judeus também... Gosto muito de Adão e Eva, que me comoveram bastante. Eu os teria acolhido, expulsos que foram injustamente por uma besteirinha do roubo de uma fruta, assim pensava eu... Mas eu gostava mesmo era do Odisseu, com cujo espírito aventureiro eu me identificava ao mesmo tempo que com a Penélope que ficava em casa fiando e esperando. Me parecia ser um e outro "simultaneamente", embora eu não conhecesse essa palavra. Muito mais tarde vim a compreender que esse era o meu dom e maldição, que me fazia viver de verdade, quero dizer, intensamente, somente através da Arte, como se num arremedo da vida, num palco de minha própria alma..." ( Alma Welt)

A Espera (crônica de Alma Welt)

"Quando criança perguntei ao meu pai: "Vati, o que é Esperança? Eu vi essa palavra num livro, mas acho que não entendi bem o que ela é... " Meu pai parou um pouco o que fazia, me olhou e disse, ternamente como sempre: "Alma, a Esperança é um sinal de que a gente não está feliz..A gente só sente esperança quando as coisas não vão nada bem e estamos esperando alguma mudança. Não é o teu caso... É, filha?" Eu pensei um pouco e acho que menti: "Não, Vati, só me lembro de esperar o Natal quando ele está perto. Mas é para ficar mais alegre ainda." Meu pai me olhou lindamente e passando a mão no meu rosto, ficou embargado, eu vi nos seus olhos..." (Alma Welt)