segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

O reino feliz de meu pai (crônica de Alma Welt)

 
Quando eu era guria, havia uma vizinha estancieira velha que explorava os seus empregados. Falecidos os meus avós, meu pai passou a pagar melhores salários aos nossos "gáltchos", acima dos praticados nas estâncias vizinhas, o que provocou uma corrida ao nosso casarão. Alguns peões abandonavam seus velhos patrões ou vinham escondidos sondar a possibilidade de novo emprego com meu pai, que frequentemente os dissuadia, por não dar conta de absorvê-los. Então, aquela velha estancieira montada a cavalo veio até diante de nossa varanda, ataviada como um gáltcho, de bombacha, botas, esporas e faixa com punhal de prata na cintura, chapéu de barbicacho, aba dobrada na testa. Sem apear-se, com um relho na mão (a outra na cintura) apontou-o para o meu pai ( este imponente, nunca me esquecerei, de pé na varanda) e disse-lhe alto:
-"Senhor "boche", o senhor está inflacionando os salários e roubando-nos nossos empregados. Isso é contra a lei, pare com isso ou vou à polícia, vou ao governo do Estado se preciso. O senhor está avisado!"
Olhei para o meu pai, esperando sua resposta, mas ele, impassível, nada disse. Para meu espanto tocou apenas o chapéu como um cumprimento e ficou vendo a velha se afastar arrogantemente. Eu era pequena e apesar de minha curiosidade, nunca soube o que aconteceu depois, já que meu pai não perdeu nem uma noite de sono, isso eu percebi. Como contornou ele a delicada a situação?
Muitos anos mais tarde perguntei diretamente a ele, que tomou um ar distante e disse lentamente:
- "Báh! Filha, aqueles foram tempos difíceis, de batalhas e escaramuças... muito sangue correu, mas estabelecemos nosso reino de cidadãos felizes."
E piscando-me um olho sorriu para mim, aquele sorriso maravilhoso...

(Alma Welt)