domingo, 25 de setembro de 2011

A carta de um padre francês (de Alma Welt)

"Anos após a morte de Gauguin, foi encontrada uma carta de um padre que tinha sido pároco na colônia francesa do Tahiti. A carta, dirigida ao seu bispo, dizia: 'Hoje visitei um conterrâneo nosso, Monsier Paul Gauguin, um pintor que vivia afastado de nossa comunidade por rebeldia e desavenças e que morava solitário num cabana cercado de seus quadros. Encontrei esse homem em grande miséria, doente e abandonado até pela vahine com quem vivera. Entretanto admirei-me de ver esse homem, tão pobre e desamparado, falar o tempo todo com grande entusiasmo de sua arte." (Alma Welt)

O peão ataviado (de Alma Welt)

O peão ainda jovem, feioso simpático, exuberante, apresentou-se ao meu pai no escritório e pediu-lhe um adiantamento para comprar umas bombachas bordadas e um par de botas novas que ele mostrou numa foto de revista. Meu pai perguntou-lhe para quê aquele capricho todo no dia a dia, e o peão abrindo os braços num gesto largo disse: "Patrão soy um gaucho buenacho, afeito à lida e avesso de peleia. Gosto do truco, vá lá, mas levo dinheiro pra casa. Mas com teu perdão, patrão, olhe pra mim, vê esta cara de bezerro mamão e esta barba rala de barbicacho... Quero ao menos estar assim ataviado, bonito, para aquela deusa que é a minha mulher!" Meu pai sorriu e deu-lhe o dinheiro. (Alma Welt)

Os mistérios da paixão (de Alma Welt)

‎"Quando guria, minha paixão por meu pai e a diferença de universos que tanto eu como ele tínhamos de minha mãe, me fizeram supor e até a acalentar a idéia de que ele mantinha um amor secreto, digamos: uma amante mesmo. Mas então, uma noite, eu, espionando, entrevi pela fresta da porta a paixão com que se abraçaram e beijaram na penumbra do quarto. Até hoje ausculto meu coração para tentar identificar o timbre ou o caráter da emoção que senti. A ambigüidade dos meus próprios sentimentos me fizeram perceber a complexidade humana, e a abandonar o pensamento dicotômico..." (Alma Welt)

Concerto para um velho peão (de Alma Welt)

"O peão tirou o chapéu e entrou no escritório de meu pai que levantou-se para recebê-lo. Era o mais velho dos peões e merecia essa deferência."Patrão, vou-me para o Alegrete, me tratar. Talvez não volte. Vim lhe pedir um favor além do pagamento que o senhor me fará: que o Patrão toque um tiquinho, uma coisita que seja nesse piano de vosmecê, que é coisa nunca vista..." Meu pai, surpreso, sentou-se na banqueta e tocou a Sonata Apassionata, de Beethoven, em honra do velho peão. Todos da casa se aproximaram da porta do escritório, até a Matilde veio da cozinha com uma colher de pau na mão. O velho ouvia de olhos marejados. E não voltaria nunca mais..." (Alma Welt)

A comissão dos ciganos (de Alma Welt)

"Um dia, na estância, meu pai foi procurado por uma comissão de ciganos, pedindo permissão para acamparem próximos do bosque. Eles estavam sendo expulsos de todas as estâncias, e quase não havia mais paradeiro para eles no Pampa. Mas haviam ouvido falar do "Maestro", um estancieiro músico, pianista. Meu pai, notando que um deles trazia um violino, convidou-o a tocar ali mesmo no escritório, de imediato, e reconhecendo um solo de Pablo Sarazate, sentou-se ao piano e acompanhou o cigano em vertiginoso virtuosismo, os dois. Eu, guria de dez anos, fiquei deslumbrada e aplaudi no final, dando pulos. E foi então que no acampamento na orla do nosso bosque eu vim a conhecer a minha linda cigana Rafisa, que acrescentaria mistérios à minha vida..." (Alma Welt)