quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A Morte da Açoriana (crônica de Alma Welt)


Pintura de 2008 de Martha Erlebacher

A Morte da Açoriana (crônica de Alma Welt)

"No meu aniversário de 16 anos, a Mutti (minha mãe) estava doente e andávamos pela casa pé-ante-pé para não fazer ruído e falávamos baixo pois a dor exalava através de sua porta, e o Vati, a Matilde, Lucia e Solange se alternavam num entra-e-sai daquele quarto, nos cuidados à enferma. Menos eu, "a princesa" a quem queriam poupar, ou de quem respeitavam a diferença que sempre pautou as minha relação com a "Açoriana". Mas a verdade é que naqueles dias, mais que nunca eu me sentia culpada por não amá-la e até mesmo por a estar matando, que é do que meu inconsciente me acusava. O sofrimento de minha mãe me perseguia, como a sua cobrança de normalidade e bom comportamento convencional o fizera desde a minha tenra infância. Sua dor agora era a minha, me seguia nas minhas andanças no jardim e até mais longe, na coxilha, ao redor do casarão.
Então, uma tarde, eu ouvi um grito através daquela porta, que me estarreceu, logo seguido do meu nome chamado de forma angustiada, suplicante, que contrastava com a forma irritada usual de sua relação para comigo. Corri para o seu quarto e sem mais hesitar abri e entrei a ponto de vê-la na penumbra, semi-erguida contra os grandes travesseiros, os olhos arregalados para mim, com o braço estendido em minha direção, para logo cair para trás, imobilizando-se, de olhos abertos. Agarrei sua mão já meio fria, e explodi em lágrimas. Teria ela me perdoado? Que significou aquele chamado, aquele braço estendido por segundos, em minha direção? Eu teria o resto da vida para descobrir em mim mesma através do rastro de pequenos e grandes desastres que formaram a história da nossa relação, o significado do seu gesto extremo, que aparentemente fora dirigido a mim... e a ninguém mais. Meu coração achava, báh! queria... que aquilo só podia ser perdão. E o meu amor, finalmente..." (Alma Welt)

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