quinta-feira, 3 de abril de 2008

O Walhalla de meu pai

(crônica de Alma Welt )

Meu pai tocava maravilhosamente Beethoven, entre outros grandes mestres. Ele dizia que Beethoven era o maior de todos, também pela sua qualidade pianística, e me fazia ver que o piano do Mestre não era percussivo, não martelava, mas trinava como o canto de um pássaro, e isso seria a sua característica mais marcante. Exigia, dizia ele, grande agilidade dos dedos, para “trinar” assim ou “gorjear”, principalmente nas notas altas.
O Vati me mostrava , tocando inteiras, a maravilha das sonatas Aurora e Apassionata, que ele me fazia ouvir e ver, como música descritiva mesmo, que eram, e como romântico assumido. Na primeira eu via o sol nascendo no meu pampa e a simples contemplação de sua luz na pradaria em tal glória e magnificência, me fazia chorar de alegria de estar viva e de compreender a beleza do mundo, de maneira consciente, graças ao meu pai, o cirurgião pianista que descobrira a validade de dedicar-se ao piano e à sua filha amada, que era eu, sem sentimento de dever perdido, ou de culpa por não mais exercer a também sagrada missão da medicina.
Eu, hoje, olho o piano de meu pai, o Steinway, na biblioteca, silencioso quase sempre, somente dedilhado ocasionalmente por mim, e por Rôdo, mas sem o virtuosismo e esplendor do toque de meu pai, o último grande romântico alemão por estas plagas, e que agora deve estar ao lado de Beethoven., este com sua audição recuperada, discutindo gorjeios de pássaros e pianos.
E também de Goethe, os três em animada palestra, na eternidade de seu *Walhalla artístico, que meu pai projetou sempre em sua bela vida, contemplativa, aprazível, sem culpa...

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Nota da editora

*Walhala – Grande salão, ao ou sala do trono do deus Odin, da antiga mitologia germânica e dos Vikings escandinavos, em que os guerreiros renascidos como tal na eternidade, por prêmio de bravura, reuniam-se para planejar ou comemorar com as Walkírias ( formosas deusas guerreiras) em grandes orgias, as vitórias nas infinitas batalhas da imortalidade gloriosa.

Alma imagina um Walhala dos grandes artistas, verdadeiros heróis da Arte, que ali se reuniriam para palestrar em alegre e eterno convívio. (Lucia Welt)

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