sábado, 12 de abril de 2008

Réquiem para a Açoriana

(crônica de Alma Welt)


Sendo dia de finados e estando eu aqui na estância, fui visitar o túmulo de minha mãe, que foi enterrada aqui mesmo, no limite do nosso jardim onde começa a pradaria do Pampa infinito. Sempre foi costume dos estancieiros que aqui viveram, muito antes dos meus avós, enterrarem seus mortos, próximos, relativamente do casarão, e desde guria eu gostava de passear por ali, pois misteriosamente o silêncio se tornava maior e se podia ouvir os passarinhos e os insetos, que me pareciam cantar para embalar os que ali dormiam seu misterioso sono. As lápides me pareciam as cabeceiras desses leitos ocultos e eu gostava de imaginá-los deitados, incorruptíveis, como a Bela Adormecida ou a Branca de Neve. Eu chegava mesmo a deitar ali na relva com a cabeça quase encostada na lápide, olhando primeiramente o céu azul e depois fechando os olhos até assustar-me e erguer-me para sair correndo dali. Eu reconheço que isso podia parecer um tanto mórbido, mas creio até hoje que esse meu pequeno ritual infantil não tinha essa conotação, e fazia parte, sim, da minha natureza de sonhadora... romântica, se posso dizer assim.

Mas o que quero contar aqui, hoje, é que sempre notei, ao aproximar-me do túmulo da Mutti, um ramo de flores do campo colocado junto à lápide, em qualquer dia do ano, menos justamente no dia de Finados. Na infância isso não chegava a me intrigar, pois eu pensava que as flores eram colocadas ali pelo Vati, naturalmente. Todavia, quando este morreu, e também ali foi enterrado, eu comecei a notar que as flores não cessaram, e a minha imaginação romanesca foi despertada para um possível enredo oculto, um misterioso apaixonado de minha mãe, Ana, que nunca pude compreender bem... por não ser compreendida por ela. Minha mãe não era o tipo que pudesse ter um amante, bem entendido, mas poderia ter renunciado a um grande amor, pela família, e pelos votos do casamento. Então quem seria esse misterioso admirador ou fiel apaixonado? Comecei a admirá-lo, a esse desconhecido, pois me parecia o protótipo do verdadeiro amoroso, para sempre leal ao seu amor sem fim. Confesso que minha mãe subiu no meu conceito, de alguma forma, com essa possibilidade, pois embora tivéssemos uma grande dificuldade de relacionamento, a possibilidade de minha mãe ser infeliz por renúncia ao seu verdadeiro amor, a tornava por sua vez “romântica”, e justificava a sua infelicidade, que até então me parecera uma injustiça com o deus que era o meu Vati.

Hoje, finalmente, depois de muito tempo que não visitava esse cemitério, e ali procurando os túmulos do meus avós Joachin e Frida , da minha irmã Solange (a pobre assassinada), do pobre bêbado Alberto, seu marido, do Vati, e da Mutti, notei, que as flores sobre o túmulo de minha mãe estavam secas, desfeitas, há muito tempo. Seu fiel cavaleiro havia morrido, não a visitava mais, pensei.

Pela primeira vez chorei não por sua causa, mas por ela mesma.

Por ela, a Açoriana, minha mãe, bela e... infeliz.

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