segunda-feira, 22 de junho de 2009

Facundo (de Alma Welt)

Dentre os inúmeros peões que tivemos aqui na estância, havia um “gaucho” da banda oriental, uruguaio, que se destacou pela competência, mas também pelo temperamento esquivo, confundido com maus bofes. De um modo geral era silencioso e solitário, não se misturava. Bom de laço e boleadeiras, excelente domador de cavalos, não havia garanhão chucro que ele não pusesse o freio em menos de dez minutos, sob aplausos de outros peões, que fora do cercado não o teriam cumprimentado.
Pois bueno, esse peão, Facundo era o seu nome (o “apelido”, sobrenome, eu nunca soube) deveria protagonizar um episódio doloroso de que alguns se lembram ainda com um arrepio.
Por aqui chegou para trabalhar na Sta Gertrudes, uma família de holandeses que tinha uma filha, uma guria loura, rechonchuda, muito guapa embora arredia e tímida, sempre debaixo das rédeas dos pais, que mal a deixavam trabalhar fora da casa, nem mesmo no vinhedo, para não andar por aí. Pois bem, Facundo deu um jeito de se aproximar da prenda e de alguma forma começou um namoro às escondidas. Acontece que a guria tinha um irmão, rapaz alto e louro, espadaúdo e de grossos punhos e manoplas. Certamente havia um grande contraste entre os tipos, vocês podem imaginar: o uruguaio, vagamente sinistro, com seu nariz aquilino e seu rosto sulcado, mal barbeado e moreno, bem latino, ao mesmo tempo arredio e cheio de orgulho, e o aparentemente bronco e enorme holandês louro mal saído da adolescência. Mas o embate inevitável dos dois ocorreria logo, após duas semanas do namoro secreto, que algum peão intrigante testemunhara, alguém que quisera ver o circo pegar fogo.
Assim, na nossa “colina do enforcado”, ou do umbu-rei como a chamo, houve o último duelo por estas bandas desde então.
Diz o nosso querido Galdério, conterrâneo do malfadado domador, que foram chamadas testemunhas uma de cada lado e que tudo deveria se passar dentro das regras que por aqui existem desde antes dos farroupilhas. Mas o fato é que não houve sobreviventes, pois embora Facundo tivesse deixado para trás três mortos (nunca se soube o que realmente ocorreu), ele próprio não foi encontrado senão três dias depois, na fronteira, caído de borco, ainda com a mão no ventre e a do braço estendido mergulhada no Arroio do Chuí.
Ele quase chegara à sua terra, mas segundo consta, deste lado da fronteira alguém chorou por ele. Sua vida de solitário banido não fora de todo desperdiçada...

FIM

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